ÓTIMO TEXTO SOBRE A SÉRIE B.
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ÓTIMO TEXTO SOBRE A SÉRIE B.
SEGUE ABAIXO TEXTO PUBLICADO NO SITE 4-3-3.
Por que a Série B deveria ser ensinada nas escolas
Posted by Leandro Beguoci | 0 comments
A Série B está para o futebol assim como “Os Sertões” está para a literatura: é impossível entender o Brasil sem experimentar cada um dos dois – por mais acidentado, árido e acinzentado que seja o caminho.
Os Sertões, clássico de Euclides da Cunha, é uma reportagem sobre um conflito difícil de entender numa parte do país complicada de chegar. Imagine você, um brasileirinho no conforto do lar, descobrindo que existe um movimento messiânico no interior da Bahia disposto a declarar independência em um pedaço lúgubre do Estado. E que, em vez de mandar um grupo de pessoas para entender o que está acontecendo, seu governo decida mandar uma tropa para acabar logo com a brincadeira. Bem vindo ao enredo, real, da obra de Euclides da Cunha – com toda a simplificação, claro, que você há de me permitir. Leia o livro. Passar pelo capítulo A Terra é difícil, mas depois é espetacular.
A Série B é uma versão futebolística, 2013, de Os Sertões. São 19 times esfarrapados e um grande em frangalhos, disputando, durante um campeonato falido, quatro vagas mal vestidas para a Série A. Cada um desses times, com a exceção do Palmeiras, sabe que a única coisa que lhe resta é apanhar com alguma dignidade das equipes de São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul e comemorar, a cada ano, o fato de ficar no mesmo lugar – a tabela que está a um clique de distância dos maiores sites esportivos do país. É uma luta inglória, desgastante e sem muito sentido – a verba de televisão para esses times é proporcional ao cachê de um sparring no boxe porque, afinal, a função é a mesma. Apanhar enquanto os outros se divertem.
Futebol Brasileiro: O que é? O que come? Onde vivem as últimas espécies? Hoje. No Globo Repórter
Mas, tal qual os discípulos de Antônio Conselheiro, a Série B oferece o contraste necessário entre o país que somos e o país que nós gostaríamos de ser. A Série A fica bem protegida dentro das arenas climatizadas. É financiada por ingressos de três dígitos. É recheada por atletas que ganham, de salário, um apartamento na Vila Madalena por mês. É um campeonato rico, claro. Mas é um campeonato rico-emergente, que pulou da miséria do estádio sem banheiro para a arena com espaço gourmet. Ganhou dinheiro, mas perdeu a graça.
Obviamente, ninguém é contra melhorar a vida do torcedor – é óbvio. Assim como não estava escrito, em nenhuma cláusula de adesão, que o campeonato brasileiro teria de se tornar o espaço dos craques assépticos e dos clubes medrosos, ambos vigiados pela polícia boleira da moral e dos bons costumes – mais conhecida pela sigla STJD. Pulamos da era infame dos estádios que desabam e matam para a época do estádio-shopping, no qual se entra com o espírito de quem vai a um cercadinho VIP.
[img(617.78px,387.78px)]http://quatrotrestres.com.br/wp-content/uploads/2013/10/buzinaco-torcidapalmeiras-marcelohazan.jpg[/img]
Torcida do Palmeiras “escolta” time antes de jogo contra o Icasa: bonito, mas MUITO BONITO (crédito: GloboEsporte)
Às vezes (mentira: é todo dia de rodada), eu fico me perguntando onde a paixão se perdeu, por onde a energia escoou, onde é que foi parar o meu estádio vibrando de gente apaixonada, que não grita antes de a bola entrar, que assiste ao jogo de pé porque dá sorte, que leva o rádio ao campo porque só a imagem não basta. A Série A, na ânsia de se tornar um produto rentável, transformou o futebol brasileiro em uma experiência-commodity: fácil de vender e difícil de amar. Alguns países transformam silício em iPhone. O Brasil, com o futebol, está transformando iPhone em silício. Estamos, voluntariamente, regredindo.
A Série B não tem nada disso – inclusive futebolisticamente. É um horror, um suplício, um espetáculo lastimável de estádios brutais e jogos que mais parecem o quadro “A Lição de Anatomia do Dr. Tulp”, de Rembrandt – é preciso um estômago forte e um coração duro para não se comover com um retrato tão explícito das nossas entranhas expostas, como bem mostrou a lotação obscena da partida entre Palmeiras e ABC, em Natal. Campos cheios de buracos, estádios sem luz, times violentos, camisas esburacadas, estádios à beira da dissolução. É a antítese do que a Série A gosta de ser – e do que o bom senso recomenda. Um dia ainda vão descobrir que a Série B não passaria pelo crivo da comissão de direitos humanos da OAB.
Por outro lado, a Série B é um dos últimos depósitos de uma experiência absolutamente inesquecível de viver o futebol. A caravana que recebeu o Palmeiras em Juazeiro do Norte, contra o Icasa, é um espetáculo de arrepiar até os mais cínicos traders, repórteres de economia e críticos de comida molecular. Na Série C, a irmã ainda mais pobre da Série B, a torcida do Santa Cruz transformou a experiência de ir em um dos maiores espetáculos já feitos no Brasil. Pena, claro, que essa experiência só aconteça quando times grandes vão para a Série B – na maior parte dos jogos, a média de público é ridícula. É um lampejo de brilho numa vastidão de irrelevância.
O futebol brasileiro, vibrante e organizado, vive em algum ponto desconhecido entre esses dois extremos lastimáveis. É por isso que a Série B deveria ser ensinada nas escolas. Ela é o contraponto necessário ao oba-oba do “com brasileiro não há quem possa” e ao discurso asséptico de que é preciso transformar todo torcedor do país em um membro da Casa dos Lordes. Mas também é o lembrete eterno de que o Brasil apaixonante, criativo, surpreendente não é transmitido aos domingos e quartas pela televisão. Na verdade, esse Brasil, esse tipo de futebol brasileiro, é um sério candidato a um Globo Repórter Especial: “Futebol brasileiro menino, futebol brasileiro moleque, futebol brasileiro que faz você faltar no trabalho para ver uma partida de quarta-feira à tarde: Como vive? O que come? Onde vivem as últimas espécies? Hoje. No Globo Repórter”
Por que a Série B deveria ser ensinada nas escolas
Posted by Leandro Beguoci | 0 comments
A Série B está para o futebol assim como “Os Sertões” está para a literatura: é impossível entender o Brasil sem experimentar cada um dos dois – por mais acidentado, árido e acinzentado que seja o caminho.
Os Sertões, clássico de Euclides da Cunha, é uma reportagem sobre um conflito difícil de entender numa parte do país complicada de chegar. Imagine você, um brasileirinho no conforto do lar, descobrindo que existe um movimento messiânico no interior da Bahia disposto a declarar independência em um pedaço lúgubre do Estado. E que, em vez de mandar um grupo de pessoas para entender o que está acontecendo, seu governo decida mandar uma tropa para acabar logo com a brincadeira. Bem vindo ao enredo, real, da obra de Euclides da Cunha – com toda a simplificação, claro, que você há de me permitir. Leia o livro. Passar pelo capítulo A Terra é difícil, mas depois é espetacular.
A Série B é uma versão futebolística, 2013, de Os Sertões. São 19 times esfarrapados e um grande em frangalhos, disputando, durante um campeonato falido, quatro vagas mal vestidas para a Série A. Cada um desses times, com a exceção do Palmeiras, sabe que a única coisa que lhe resta é apanhar com alguma dignidade das equipes de São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul e comemorar, a cada ano, o fato de ficar no mesmo lugar – a tabela que está a um clique de distância dos maiores sites esportivos do país. É uma luta inglória, desgastante e sem muito sentido – a verba de televisão para esses times é proporcional ao cachê de um sparring no boxe porque, afinal, a função é a mesma. Apanhar enquanto os outros se divertem.
Futebol Brasileiro: O que é? O que come? Onde vivem as últimas espécies? Hoje. No Globo Repórter
Mas, tal qual os discípulos de Antônio Conselheiro, a Série B oferece o contraste necessário entre o país que somos e o país que nós gostaríamos de ser. A Série A fica bem protegida dentro das arenas climatizadas. É financiada por ingressos de três dígitos. É recheada por atletas que ganham, de salário, um apartamento na Vila Madalena por mês. É um campeonato rico, claro. Mas é um campeonato rico-emergente, que pulou da miséria do estádio sem banheiro para a arena com espaço gourmet. Ganhou dinheiro, mas perdeu a graça.
Obviamente, ninguém é contra melhorar a vida do torcedor – é óbvio. Assim como não estava escrito, em nenhuma cláusula de adesão, que o campeonato brasileiro teria de se tornar o espaço dos craques assépticos e dos clubes medrosos, ambos vigiados pela polícia boleira da moral e dos bons costumes – mais conhecida pela sigla STJD. Pulamos da era infame dos estádios que desabam e matam para a época do estádio-shopping, no qual se entra com o espírito de quem vai a um cercadinho VIP.
[img(617.78px,387.78px)]http://quatrotrestres.com.br/wp-content/uploads/2013/10/buzinaco-torcidapalmeiras-marcelohazan.jpg[/img]
Torcida do Palmeiras “escolta” time antes de jogo contra o Icasa: bonito, mas MUITO BONITO (crédito: GloboEsporte)
Às vezes (mentira: é todo dia de rodada), eu fico me perguntando onde a paixão se perdeu, por onde a energia escoou, onde é que foi parar o meu estádio vibrando de gente apaixonada, que não grita antes de a bola entrar, que assiste ao jogo de pé porque dá sorte, que leva o rádio ao campo porque só a imagem não basta. A Série A, na ânsia de se tornar um produto rentável, transformou o futebol brasileiro em uma experiência-commodity: fácil de vender e difícil de amar. Alguns países transformam silício em iPhone. O Brasil, com o futebol, está transformando iPhone em silício. Estamos, voluntariamente, regredindo.
A Série B não tem nada disso – inclusive futebolisticamente. É um horror, um suplício, um espetáculo lastimável de estádios brutais e jogos que mais parecem o quadro “A Lição de Anatomia do Dr. Tulp”, de Rembrandt – é preciso um estômago forte e um coração duro para não se comover com um retrato tão explícito das nossas entranhas expostas, como bem mostrou a lotação obscena da partida entre Palmeiras e ABC, em Natal. Campos cheios de buracos, estádios sem luz, times violentos, camisas esburacadas, estádios à beira da dissolução. É a antítese do que a Série A gosta de ser – e do que o bom senso recomenda. Um dia ainda vão descobrir que a Série B não passaria pelo crivo da comissão de direitos humanos da OAB.
Por outro lado, a Série B é um dos últimos depósitos de uma experiência absolutamente inesquecível de viver o futebol. A caravana que recebeu o Palmeiras em Juazeiro do Norte, contra o Icasa, é um espetáculo de arrepiar até os mais cínicos traders, repórteres de economia e críticos de comida molecular. Na Série C, a irmã ainda mais pobre da Série B, a torcida do Santa Cruz transformou a experiência de ir em um dos maiores espetáculos já feitos no Brasil. Pena, claro, que essa experiência só aconteça quando times grandes vão para a Série B – na maior parte dos jogos, a média de público é ridícula. É um lampejo de brilho numa vastidão de irrelevância.
“Alguns países transformam silício em iPhone. O Brasil, com o futebol, está transformando iPhone em silício. Estamos, voluntariamente, regredindo.”
A Segundona (que nome sonoro) mostra o Brasil que nos esforçamos em ignorar, em fazer de conta que não existe: desorganizado, cheio de improviso, no vamos que vamos até onde der. A Série A também é o Brasil desorganizado, cheio de improviso, no vamos que vamos até onde der – mas com uma baita de uma camada de verniz (leia com o sotaque maravilhoso do craque Neto) e sem a paixão desenfreada, aventureira, dos melhores jogos da Série B. O melhor jogo da Série A é incapaz de repetir, como experiência humana, com o melhor da Série B. Falta alma – ok, é metafísico, mas você me entende.O futebol brasileiro, vibrante e organizado, vive em algum ponto desconhecido entre esses dois extremos lastimáveis. É por isso que a Série B deveria ser ensinada nas escolas. Ela é o contraponto necessário ao oba-oba do “com brasileiro não há quem possa” e ao discurso asséptico de que é preciso transformar todo torcedor do país em um membro da Casa dos Lordes. Mas também é o lembrete eterno de que o Brasil apaixonante, criativo, surpreendente não é transmitido aos domingos e quartas pela televisão. Na verdade, esse Brasil, esse tipo de futebol brasileiro, é um sério candidato a um Globo Repórter Especial: “Futebol brasileiro menino, futebol brasileiro moleque, futebol brasileiro que faz você faltar no trabalho para ver uma partida de quarta-feira à tarde: Como vive? O que come? Onde vivem as últimas espécies? Hoje. No Globo Repórter”
Fox Mulder- Olivia Palito
- Mensagens : 1868
Data de inscrição : 17/02/2012
Re: ÓTIMO TEXTO SOBRE A SÉRIE B.
“Alguns países transformam silício em iPhone. O Brasil, com o futebol, está transformando iPhone em silício. Estamos, voluntariamente, regredindo.”
Alguém discorda dessa frase?
Alguém discorda dessa frase?
Denilson MAV- Popeye
- Mensagens : 2913
Data de inscrição : 20/03/2012
Idade : 43
Localização : Manaus - AM
Re: ÓTIMO TEXTO SOBRE A SÉRIE B.
Não conheci nenhuma das novas arenas, mas pelo que vejo na TV e pelo que tenho lido á respeito, acho que vou sentir saudades dos velhos estádios.
SUINO- Brutus
- Mensagens : 4011
Data de inscrição : 22/02/2013
Idade : 52
Localização : Ribeirão Pires-SP
Re: ÓTIMO TEXTO SOBRE A SÉRIE B.
Até agora não me conformo com a morte do Maracanã. Um estádio que era a propria vibraҫao, ficou frio e triste.
Itaipava- Olivia Palito
- Mensagens : 1317
Data de inscrição : 23/02/2013
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